A história que eu vos contarei é a história de uma revolução, a maior que até então já abalou a nossa terra. Ela foi maior em três grandes sentidos: maior, porque foi a que mais longe, no Brasil, estendeu as suas raízes revolucionárias; maior porque foi a que maiores proporções atingiu na nossa história; maior, porque foi a de maior significação, a de significação mais elevada das que já houve entre nós.
O Brasil, terra de tanta bravura e heroísmo, já foi teatro de numerosos movimentos de revolta. Não há, talvez, uma região de seu imenso território que ainda não fosse abalada pelos ânimos exaltados de seu povo. Entretanto, nenhum desses movimentos que, sem conta, encontram-se na nossa história, atingiu tão grandes proporções como esse que, por 10 anos, manchou de vermelho as verdes coxilhas do Rio Grande.
Esse movimento foi a Guerra dos Farrapos.
Há muita gente que fala com entusiasmo quando se refere ao imortal movimento dos “Farrapos”, salientando seus feitos históricos e o valor de seus guerreiros, mas desconhecem, completamente, as causas que levaram o povo riograndense a uma revolta que, por muitos anos, trouxe em contínuo sobressalto as autoridades imperiais. Não basta que repitamos a toda hora o “heróico 20 de setembro”, os “gloriosos Farrapos”, o “bravo Bento Gonçalves”; a “legendária Piratini” e tantas outras expressões que demonstram a nossa admiração pela revolta de 1835. Precisamos, sim, conhecer a história para não incidirmos no erro que muitos cometem ao afirmar que os farrapos foi um movimento separatista, que queria o desmembramento e a desunião da Pátria, promovido por elementos despidos de sentimentos patrióticos, ou movidos por instintos de ambição.
Não. Os Farrapos não foi uma revolução separatista, não foi antipatriótica, não quis a dissolução do Brasil, nem possuiu outra série de maus instintos que lhe querem atribuir. Nem seus promotores foram traidores da pátria, ambiciosos, nem merecem todos os qualificativos ruins que lhe infligem injustamente. Não, longe disso! A revolução que, por tantos anos, agitou o sul do país e o abalou tanto, foi profundamente nacional, profundamente patriótica e seus dirigentes foram verdadeiros patriotas, filhos dos quais deve o Brasil orgulhar-se e guardá-los em sua memória como exemplos imortais de amor e patriotismo. Basta imaginar a enormidade de suas proporções para se chegar à conclusão de que, por simples questões de mínimas importâncias ou somente por influências supérfluas de alguns homens, não chegaria todo o povo da província ao ponto de dar seu apoio, cooperar e tomar parte na formidável revolução que, por toda a sua longa duração, ceifou a vida de milhares de brasileiros.
A Guerra dos Farrapos é de todos conhecida. Duvido mesmo que haja, entre vós, alguém que, se a ela não é familiar, não haja pelo menos ouvido falar daquele levante nitidamente popular que empolgou os corações rio-grandenses. Entretanto, não vos contarei a história que todos conheceis, isto é, não a descreverei em todos os seus pormenores porque, se assim o tentasse fazer, perder-me-ia num labirinto infindável de lutas e batalhas, o que seria muito enfadonho para vós. Eu vos contarei, sim, o que foi essa guerra, a preciosa qualidade de sua essência, o verdadeiro produto que dela se pode tirar, o seu significado grandioso e o verdadeiro sentido que ela representa para nós, brasileiros e gaúchos da atualidade.
Quando o texto abaixo foi escrito, no ano de 1950, o autor contava quinze anos de idade.
Com este "ensaio" sobre a Revolução Farroupilha, fruto de exaustiva pesquisa realizada na biblioteca do colégio onde cursava o 4o. ano do ginásio, participou de um concurso de oratória proposto pela escola, revelando-se grande orador.
A apresentação tocou a platéia que o assistia, empolgada. Não venceu, mas fez despertar em muitos, ali, naquele momento, o sentimento de orgulho de ser do Rio Grande...
Com este "ensaio" sobre a Revolução Farroupilha, fruto de exaustiva pesquisa realizada na biblioteca do colégio onde cursava o 4o. ano do ginásio, participou de um concurso de oratória proposto pela escola, revelando-se grande orador.
A apresentação tocou a platéia que o assistia, empolgada. Não venceu, mas fez despertar em muitos, ali, naquele momento, o sentimento de orgulho de ser do Rio Grande...
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
A Revolução Farroupilha - Parte II
Até a primeira metade do século passado, era São Pedro do Rio Grande do Sul uma das menos importantes províncias brasileiras. Era como que uma região perdida no seio da nacionalidade, distante, como estava, do centro do Brasil. Seu povo, este, era uma população de eternos descontentes, e com razão. Era um povo que vivia quase na miséria, oprimido, como era, pelo déspota poder central do Brasil. E aquela longínqua província brasileira só era lembrada para pagar impostos e para por seus filhos em prontidão para marchar para os campos de batalha. De resto, eram eles espezinhados pelos governos que os tratavam como verdadeiros animais. Se mau e ineficaz era o governo que administrava o país até a maioridade do jovem Pedro II, muito mais careciam os governadores e as autoridades provinciais de capacidade para dirigir um povo e compreender suas necessidades e aspirações.
O papel do gaúcho, até l835, foi, primeiramente, o de auxiliar do colonizador na sua política expansiva rumo ao sul. Depois, o de guarda da fronteira meridional e agente da política exterior nos estados do Prata, visando assegurar a navegação brasileira nos grandes rios platinos. A independência da província argentina e a revolta de Artigas foram ter ao antigo continente de São Pedro, atenuadas ou agravadas, conforme as circunstâncias do momento.
De um lado, estava o gaúcho, preso à sua fidelidade, jamais desmentida, ao Brasil. De outro, era constantemente trabalhado por fatores importantes, oriundos do meio ambiente próximo, inclusive o da igualdade de idéias políticas: república e liberdade. Por outro lado, os dirigentes do Brasil, naquele tempo, não possuíam visão suficiente para compreender a situação da mais jovem e aguerrida das províncias, aquela à qual estava confiada a missão altíssima de resguardar a integridade da pátria. Ao invés de auscultarem-lhes os anseios, para atendê-los, procuravam esmagar-lhes os estos, como se consistissem em impertinências.
O Rio Grande do Sul não pudera, ainda, formar uma geração em condições de traduzir com eloqüência seus reclamos e formular seus anseios. Não sabia falar, só sabia agir. Como não tomara parte ativa no movimento que despedira o colonizador e nem nas agitações para a constitucionalização do país, dava a impressão de que não existia. Ninguém levava em apreço a situação especialíssima do gaúcho no desempenho da missão gloriosa, mas pesadíssima de sentinela avançada da pátria, opondo-se a qualquer investida castelhana.
Como já disse, várias e complexas foram as causas que induziram os gaúchos à revolta contra o poder central, então nas mãos já frouxas do regente Feijó: causas políticas e causas econômicas. Entre as causas políticas há a ressaltar a grande influência que possuía o elemento português, investido em todos os cargos públicos, em vez dos próprios filhos da terra, além do esforço que aqueles vinham fazendo no sentido de promover a recolonização do Brasil por Portugal, para recolocá-lo na antiga situação de mísera colônia. Há ainda a ressaltar o desastre militar no Passo do Rosário, em 1827, em terras gaúchas, devido, em grande parte, à inexperiência do comandante em chefe do exército brasileiro. Foi o mais duro golpe infligido ao brio dos gaúchos, habituados a vencer sempre, desde os alvores da própria nacionalidade.
Em contrapeso à situação política que tanto exacerbava os ânimos, o governo do Rio de Janeiro procurava agravar, cada vez mais, a atribulação que pesava sobre a economia rio-grandense do sul. O governo central não só restabelecia a pontualidade no pagamento da tropa e seus fornecedores com as economias do Rio Grande como, também, extorquia-lhe todo o dinheiro necessário para atender às despesas militares em diferentes oportunidades. Horroroso é de citar o terrível despotismo militar que, naquele tempo, pesava sobre o povo rio-grandense.
Outra razão que instigava o gaúcho à luta, que punha lenha à fogueira da revolução, era a intriga que se fazia na Corte de que os liberais mantinham relações secretas com os chefes revolucionários do estado vizinho e, principalmente, com o General Lavalleja. Como se isso não bastasse, a intriga tomava maior vulto com as afirmações caluniosas de que os liberais tinham a intenção de separar o Rio Grande da comunhão brasileira e anexá-lo ao Estado Oriental. E apontavam, então, os intrigantes, para malquistar o Rio Grande do Sul com o resto do país, que o comandante da fronteira do Jaguarão, Bento Gonçalves da Silva, era o iniciador dessas negociações. Com essas afirmações falsas, com essas infâmias sem nome, procurava-se na Corte a má vontade do governo para com o Rio Grande e, ao mesmo tempo, indispor Bento Gonçalves com a Regência e fazer cessar, na terra sulina, a imensa popularidade do bravo militar, que era um dos seus grandes ídolos.
.
O Rio Grande fora contagiado pelas idéias liberais dos vizinhos estrangeiros, emocionara-se com a revolução pernambucana de 1817, com a tentativa frustrada da Confederação do Equador, em 1824, e com os demais movimentos do norte do país. Dessa maneira, de há muito tempo, ia-se formando aquele sentimento revolucionário e, ao mesmo tempo, profundamente republicano.
Em Porto Alegre, capital da província, e nos principais núcleos de população, o ambiente tornara-se irrespirável, agitado, como estava, pelas lutas partidárias entre “Caramurus” e “Farroupilhas”.
Aqueles, portugueses e seus adeptos, no exercício de quase todos os cargos públicos de relevo, apraziam-se de perseguir estes, os quais, exacerbados pelas perseguições, não davam trégua àqueles. Os “Caramurus”, de mentalidade peninsular, sonhavam com a volta de D.Pedro I e a reincorporação do Brasil a Portugal. Os “Farrapos” encarnavam o espírito nacional, forte demais para se deixar vencer, ou abater sequer.
Era a primeira vez que, no Rio Grande do Sul, defrontavam-se as duas mentalidades: a mentalidade estreita, acanhada, mesquinha, trazida da Europa e aqui conservada à sombra da coroa imperial. A outra, mentalidade sadia, moça e robusta, formada ao grande ar das planícies sulinas e higienificadas pelo Minuano vivificador e nos reencontros homéricos com o inimigo da raça e da pátria. Os daquela mentalidade – os caramurus – não podiam compreender a liberdade, a democracia, a igualdade dos direitos entre os homens. Haviam sido formados na obediência passiva a todos os que tivessem foro de nobreza, privilégios, regalias, postos de comando, riqueza material. Estava-lhes no sangue e na consciência a submissão ao rei e seus satélites, a Deus e seus ministros, ao patrão e seus feitores e capatazes. Afora o ganho fácil que lhes proporcionasse o bom viver, de nada mais curavam.
Os farroupilhas, os de mentalidade diversa, eram os gaúchos, os peleadores intemerosos, os continentistas altivos à insolência. Haviam nascido na terra maravilhosa do Rio Grande do Sul e se formado com as armas na mão. Tinham ouvido o grito de liberdade de Simon Bolívar, solto nos Andes e repetido no pampa argentino por San Martin e nas coxilhas uruguaias por Artigas. Sabiam da história dos que, no Brasil, desde há muito, haviam pugnado pela liberdade. Os nomes dos chefes “emboabas” e “mascates”, de Felipe dos Santos, de Tiradentes e seus companheiros, do Miguelino e Frei Caneca – todos lhes eram familiares. Não queriam restrição alguma à sua liberdade de agir e nem admitiam subordinação à entidade humana.
.
Foi, principalmente, o choque entre essas duas mentalidades que provocou o rompimento.
Ora, tal estado de coisas tinha que, forçosamente, influir no espírito do povo e gerar um profundo desgosto e uma inevitável revolta contra os responsáveis pela sua penosa situação de infelizes escravos. A revolta, senhores, não foi obra do momento, do acaso. Ela foi longamente pensada, desde quando o povo rio-grandense percebeu que estava sendo ludibriado, humilhado, por intermédio de todos os maus governos.
Desse modo, muito antes de se iniciar a revolução, os periódicos liberais pregavam, sem rebouças, as vantagens do sistema republicano e incentivavam os rio-grandenses a adotá-lo, salientando-se, nesse tentame, o famoso jornal “O Continentista” que, em artigo memorável, publicado antes da revolução, repetia a declaração do povo da Virgínia, insurgindo-se, em 1776, contra o governo inglês: “Cada vez que um governo for conhecido com o incapaz de preencher os grandes fins para que o povo o investiu no poder, ou que lhe seja contrário, a maioria da nação tem o direito indubitável, inalienável e inalterável de aboli-lo, substituí-lo e reformá-lo da maneira que julgar mais conveniente para o bem público.”
O gaúcho rio-grandense do sul ia, pela vez primeira, falar ao Brasil em matéria política. Até aquela data, conservara-se no desempenho da missão nacional de sentinela da pátria. Não era justo que dele só exigissem sacrifícios; se não lhe davam, ele se evocava o direito de se fazer ouvir. Se não o queriam considerar devidamente, por ato espontâneo, ele se imporia, à força, ao respeito do Centro.
E foi na madrugada de 20 de setembro de l835 que o povo rio-grandense tomou a iniciativa inabalável de se revoltar contra os seus opressores, os quais encarnavam na figura desprezível do então governador da província, o déspota tirano e cruel Dr. Fernandes Braga. Enquanto os trabalhos preparativos da revolução se processavam em Porto Alegre com todo o vigor, Bento Gonçalves excursionava pelo interior da província, em propaganda do movimento insurreto.
O papel do gaúcho, até l835, foi, primeiramente, o de auxiliar do colonizador na sua política expansiva rumo ao sul. Depois, o de guarda da fronteira meridional e agente da política exterior nos estados do Prata, visando assegurar a navegação brasileira nos grandes rios platinos. A independência da província argentina e a revolta de Artigas foram ter ao antigo continente de São Pedro, atenuadas ou agravadas, conforme as circunstâncias do momento.
De um lado, estava o gaúcho, preso à sua fidelidade, jamais desmentida, ao Brasil. De outro, era constantemente trabalhado por fatores importantes, oriundos do meio ambiente próximo, inclusive o da igualdade de idéias políticas: república e liberdade. Por outro lado, os dirigentes do Brasil, naquele tempo, não possuíam visão suficiente para compreender a situação da mais jovem e aguerrida das províncias, aquela à qual estava confiada a missão altíssima de resguardar a integridade da pátria. Ao invés de auscultarem-lhes os anseios, para atendê-los, procuravam esmagar-lhes os estos, como se consistissem em impertinências.
O Rio Grande do Sul não pudera, ainda, formar uma geração em condições de traduzir com eloqüência seus reclamos e formular seus anseios. Não sabia falar, só sabia agir. Como não tomara parte ativa no movimento que despedira o colonizador e nem nas agitações para a constitucionalização do país, dava a impressão de que não existia. Ninguém levava em apreço a situação especialíssima do gaúcho no desempenho da missão gloriosa, mas pesadíssima de sentinela avançada da pátria, opondo-se a qualquer investida castelhana.
Como já disse, várias e complexas foram as causas que induziram os gaúchos à revolta contra o poder central, então nas mãos já frouxas do regente Feijó: causas políticas e causas econômicas. Entre as causas políticas há a ressaltar a grande influência que possuía o elemento português, investido em todos os cargos públicos, em vez dos próprios filhos da terra, além do esforço que aqueles vinham fazendo no sentido de promover a recolonização do Brasil por Portugal, para recolocá-lo na antiga situação de mísera colônia. Há ainda a ressaltar o desastre militar no Passo do Rosário, em 1827, em terras gaúchas, devido, em grande parte, à inexperiência do comandante em chefe do exército brasileiro. Foi o mais duro golpe infligido ao brio dos gaúchos, habituados a vencer sempre, desde os alvores da própria nacionalidade.
Em contrapeso à situação política que tanto exacerbava os ânimos, o governo do Rio de Janeiro procurava agravar, cada vez mais, a atribulação que pesava sobre a economia rio-grandense do sul. O governo central não só restabelecia a pontualidade no pagamento da tropa e seus fornecedores com as economias do Rio Grande como, também, extorquia-lhe todo o dinheiro necessário para atender às despesas militares em diferentes oportunidades. Horroroso é de citar o terrível despotismo militar que, naquele tempo, pesava sobre o povo rio-grandense.
Outra razão que instigava o gaúcho à luta, que punha lenha à fogueira da revolução, era a intriga que se fazia na Corte de que os liberais mantinham relações secretas com os chefes revolucionários do estado vizinho e, principalmente, com o General Lavalleja. Como se isso não bastasse, a intriga tomava maior vulto com as afirmações caluniosas de que os liberais tinham a intenção de separar o Rio Grande da comunhão brasileira e anexá-lo ao Estado Oriental. E apontavam, então, os intrigantes, para malquistar o Rio Grande do Sul com o resto do país, que o comandante da fronteira do Jaguarão, Bento Gonçalves da Silva, era o iniciador dessas negociações. Com essas afirmações falsas, com essas infâmias sem nome, procurava-se na Corte a má vontade do governo para com o Rio Grande e, ao mesmo tempo, indispor Bento Gonçalves com a Regência e fazer cessar, na terra sulina, a imensa popularidade do bravo militar, que era um dos seus grandes ídolos.
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O Rio Grande fora contagiado pelas idéias liberais dos vizinhos estrangeiros, emocionara-se com a revolução pernambucana de 1817, com a tentativa frustrada da Confederação do Equador, em 1824, e com os demais movimentos do norte do país. Dessa maneira, de há muito tempo, ia-se formando aquele sentimento revolucionário e, ao mesmo tempo, profundamente republicano.
Em Porto Alegre, capital da província, e nos principais núcleos de população, o ambiente tornara-se irrespirável, agitado, como estava, pelas lutas partidárias entre “Caramurus” e “Farroupilhas”.
Aqueles, portugueses e seus adeptos, no exercício de quase todos os cargos públicos de relevo, apraziam-se de perseguir estes, os quais, exacerbados pelas perseguições, não davam trégua àqueles. Os “Caramurus”, de mentalidade peninsular, sonhavam com a volta de D.Pedro I e a reincorporação do Brasil a Portugal. Os “Farrapos” encarnavam o espírito nacional, forte demais para se deixar vencer, ou abater sequer.
Era a primeira vez que, no Rio Grande do Sul, defrontavam-se as duas mentalidades: a mentalidade estreita, acanhada, mesquinha, trazida da Europa e aqui conservada à sombra da coroa imperial. A outra, mentalidade sadia, moça e robusta, formada ao grande ar das planícies sulinas e higienificadas pelo Minuano vivificador e nos reencontros homéricos com o inimigo da raça e da pátria. Os daquela mentalidade – os caramurus – não podiam compreender a liberdade, a democracia, a igualdade dos direitos entre os homens. Haviam sido formados na obediência passiva a todos os que tivessem foro de nobreza, privilégios, regalias, postos de comando, riqueza material. Estava-lhes no sangue e na consciência a submissão ao rei e seus satélites, a Deus e seus ministros, ao patrão e seus feitores e capatazes. Afora o ganho fácil que lhes proporcionasse o bom viver, de nada mais curavam.
Os farroupilhas, os de mentalidade diversa, eram os gaúchos, os peleadores intemerosos, os continentistas altivos à insolência. Haviam nascido na terra maravilhosa do Rio Grande do Sul e se formado com as armas na mão. Tinham ouvido o grito de liberdade de Simon Bolívar, solto nos Andes e repetido no pampa argentino por San Martin e nas coxilhas uruguaias por Artigas. Sabiam da história dos que, no Brasil, desde há muito, haviam pugnado pela liberdade. Os nomes dos chefes “emboabas” e “mascates”, de Felipe dos Santos, de Tiradentes e seus companheiros, do Miguelino e Frei Caneca – todos lhes eram familiares. Não queriam restrição alguma à sua liberdade de agir e nem admitiam subordinação à entidade humana.
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Foi, principalmente, o choque entre essas duas mentalidades que provocou o rompimento.
Ora, tal estado de coisas tinha que, forçosamente, influir no espírito do povo e gerar um profundo desgosto e uma inevitável revolta contra os responsáveis pela sua penosa situação de infelizes escravos. A revolta, senhores, não foi obra do momento, do acaso. Ela foi longamente pensada, desde quando o povo rio-grandense percebeu que estava sendo ludibriado, humilhado, por intermédio de todos os maus governos.
Desse modo, muito antes de se iniciar a revolução, os periódicos liberais pregavam, sem rebouças, as vantagens do sistema republicano e incentivavam os rio-grandenses a adotá-lo, salientando-se, nesse tentame, o famoso jornal “O Continentista” que, em artigo memorável, publicado antes da revolução, repetia a declaração do povo da Virgínia, insurgindo-se, em 1776, contra o governo inglês: “Cada vez que um governo for conhecido com o incapaz de preencher os grandes fins para que o povo o investiu no poder, ou que lhe seja contrário, a maioria da nação tem o direito indubitável, inalienável e inalterável de aboli-lo, substituí-lo e reformá-lo da maneira que julgar mais conveniente para o bem público.”
O gaúcho rio-grandense do sul ia, pela vez primeira, falar ao Brasil em matéria política. Até aquela data, conservara-se no desempenho da missão nacional de sentinela da pátria. Não era justo que dele só exigissem sacrifícios; se não lhe davam, ele se evocava o direito de se fazer ouvir. Se não o queriam considerar devidamente, por ato espontâneo, ele se imporia, à força, ao respeito do Centro.
E foi na madrugada de 20 de setembro de l835 que o povo rio-grandense tomou a iniciativa inabalável de se revoltar contra os seus opressores, os quais encarnavam na figura desprezível do então governador da província, o déspota tirano e cruel Dr. Fernandes Braga. Enquanto os trabalhos preparativos da revolução se processavam em Porto Alegre com todo o vigor, Bento Gonçalves excursionava pelo interior da província, em propaganda do movimento insurreto.
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
A Revolução Farroupilha - Parte III
E o primeiro encontro entre o exército imperial e as tropas revolucionárias deu-se naquela madrugada, sorrindo a estes a vitória. O comandante do exército derrotado, Visconde de Camamú, fugiu a toda a pressa para a sede do governo na província e, assustado com o acontecimento e sem meios para resistir, capitulou, retirando-se para Rio Grande. Bento Gonçalves, O Coronel Bento Gonçalves da Silva, o heróico comandante militar, foi a primeira voz gaúcha que falou ao poder central do Brasil. Em uma carta, expressou-se, mais ou menos, nestes termos:
“Senhor. Em nome do povo do Rio Grande depus o Governador Braga e entreguei o governo ao seu substituto legal. Em nome do Rio Grande eu lhe digo que, nesta província extrema, não toleramos imposições humilhantes, nem insultos de qualquer espécie. O Pampeiro destas paragens tempera o sangue rio-grandense de modo diferente do que certa gente que por aí há. Nós, rio-grandenses, preferimos a morte no campo áspero da batalha às humilhações das salas blandiciosas do Paço do Rio de Janeiro.
“O Rio Grande é a sentinela do Brasil que olha, vigilante, para o Rio da Prata. Merece, pois, mais consideração e respeito. Exigimos que o governo imperial nos dê um governador de mais confiança, que vele pelos nossos interesses, pelo nosso progresso, pela nossa dignidade, ou nos separamos do Centro e, com a espada na mão, saberemos morrer com honra ou viver com liberdade. É preciso que V.Excia. saiba, senhor Regente, que é obra difícil, senão impossível, escravizar o Rio Grande, impondo-lhe governadores déspotas e tiranos.
“Em nome da minha terra, como brasileiro, eu lhe digo que reflita bem antes de responder, porque de sua resposta depende, talvez, o sossego do Brasil. Dela resultará a satisfação dos justos desejos de um punhado de brasileiros que defendem contra a ferocidade espanhola uma nesga da Pátria e dela resultará, também, uma luta sangrenta, a ruína de uma província, ou a formação de um novo Estado”
Mas o supremo poder, em vez de ouvir o apelo de justiça do povo rio-grandense pela voz de Bento Gonçalves, em vez de lhe dar o governo que velasse pelos seus interesses, Feijó mandou soldados para esmagar os gaúchos, armas para matá-los, generais para domar-lhes a altivez. Em lugar de atrair o Rio Grande do Sul ao Brasil, a política imperial procurava afastá-lo da comunhão nacional.
Por dez anos, nada menos, as coxilhas rio-grandenses foram encharcadas de sangue, as estâncias taladas, os rebanhos dizimados, os cofres públicos exauridos e, mais que isso, a nação enfraquecida pela perda de seus bravos, de ambos os lados. E as lutas continuaram, sem um resultado decisivo. A vitória sorria, ora aos imperiais, ora aos Farrapos. Estes, porém, iam, aos poucos, tirando vantagem e, em pouco tempo, estavam apossados de toda a província.
A esse tempo, a Regência nomeia para governar a província José de Araújo Ribeiro, homem de espírito conciliador, que conquistou logo a simpatia até dos próprios adversários, conseguindo a adesão de vários generais, entre os quais o próprio Bento Manoel Ribeiro. Por esse meio tempo os imperiais, já então comandados por Bento Manoel Ribeiro, retomam Porto Alegre e, nessa luta, junto à ilha do Fanfa, derrotam as tropas farroupilhas. Bento Gonçalves, vendo a impossibilidade de resistir, para evitar mais sacrifícios, preferiu render-se. Os vencidos, em grande número, no ato da entrega das armas, preferem, alguns, parti-las, num gesto de desespero e altivez e atirá-las, em pedaços, ao solo; outros, jogaram-nas, no mesmo gesto, ao rio. Tais gestos revelaram independência, orgulho, altivez, heroísmo e rebeldia, sentimentos estes que, transformados em um potencial de energias inesgotáveis, mantiveram a luta por dez anos, sem igual na nossa história.
As tropas imperiais obtiveram a capitulação farroupilha sob promessa de garantia à liberdade de cada um, chefes e soldados. O Governo, entretanto, ludibriou o general de seu próprio exército, prendendo Bento Gonçalves e outros chefes revolucionários.
Mais do que traição, foi um erro. As fileiras revoltosas, graças a essa atitude desprezível do governo, foram engrossadas por todos os gaúchos que, até aquela data, haviam se mantido indiferentes à contenda. A luta armada, que poderia ter findado naquele momento, por causa de um grande erro político, duraria mais nove anos. Os estadistas do império não tinham capacidade para compreender a grandeza da alma gaúcha. A derrota do Famfa foi uma derrota material para os farrapos e uma derrota moral e política para os imperiais. Ganhando, Bento Manuel Ribeiro perdeu; perdendo, Bento Gonçalves ganhou.
E tal foi essa verdade, que o exército farroupilha, ao comando do General Netto, obtinha a formidável vitória de Seival, poucos dias depois, e proclamava a independência do Rio Grande do Sul, que passou a constituir uma nação separada, sob governo republicano, com o nome de Piratiny (11.08.1836). Começou, então, a era de ouro para os revoltosos; suas vitórias contavam-se umas sobre as outras; dominavam, então, todo o Rio Grande. O ano de 1838, então, foi francamente favorável à nova república. Era, pois, de justiça, que encerrassem com grandes festas esse ano. E a maior delas foi a posse de Bento Gonçalves da Silva que, depois de ter sido considerado perdido, volta à pátria e assume a presidência da república que, apesar de não ter sido fundada por ele é, contudo, a forma de governo que impera em sua terra, porque as circunstâncias da guerra assim o exigiram. Não era, mas ia fazer-se republicano e dirigir a república, provando, assim, o seu grande amor ao Brasil uno, federado e forte. Esse patriotismo foi ele quem acendeu em todos os peitos. Quando Bento Gonçalves foi promovido a general, ele já o era no consenso unânime dos campeadores gaúchos – soldados ou não – dos grandes generais brasileiros que lutavam a seu lado e por todos os que o conheciam por dura experiência e pelo seu valor incomparável como guerreiro.
“Senhor. Em nome do povo do Rio Grande depus o Governador Braga e entreguei o governo ao seu substituto legal. Em nome do Rio Grande eu lhe digo que, nesta província extrema, não toleramos imposições humilhantes, nem insultos de qualquer espécie. O Pampeiro destas paragens tempera o sangue rio-grandense de modo diferente do que certa gente que por aí há. Nós, rio-grandenses, preferimos a morte no campo áspero da batalha às humilhações das salas blandiciosas do Paço do Rio de Janeiro.
“O Rio Grande é a sentinela do Brasil que olha, vigilante, para o Rio da Prata. Merece, pois, mais consideração e respeito. Exigimos que o governo imperial nos dê um governador de mais confiança, que vele pelos nossos interesses, pelo nosso progresso, pela nossa dignidade, ou nos separamos do Centro e, com a espada na mão, saberemos morrer com honra ou viver com liberdade. É preciso que V.Excia. saiba, senhor Regente, que é obra difícil, senão impossível, escravizar o Rio Grande, impondo-lhe governadores déspotas e tiranos.
“Em nome da minha terra, como brasileiro, eu lhe digo que reflita bem antes de responder, porque de sua resposta depende, talvez, o sossego do Brasil. Dela resultará a satisfação dos justos desejos de um punhado de brasileiros que defendem contra a ferocidade espanhola uma nesga da Pátria e dela resultará, também, uma luta sangrenta, a ruína de uma província, ou a formação de um novo Estado”
Mas o supremo poder, em vez de ouvir o apelo de justiça do povo rio-grandense pela voz de Bento Gonçalves, em vez de lhe dar o governo que velasse pelos seus interesses, Feijó mandou soldados para esmagar os gaúchos, armas para matá-los, generais para domar-lhes a altivez. Em lugar de atrair o Rio Grande do Sul ao Brasil, a política imperial procurava afastá-lo da comunhão nacional.
Por dez anos, nada menos, as coxilhas rio-grandenses foram encharcadas de sangue, as estâncias taladas, os rebanhos dizimados, os cofres públicos exauridos e, mais que isso, a nação enfraquecida pela perda de seus bravos, de ambos os lados. E as lutas continuaram, sem um resultado decisivo. A vitória sorria, ora aos imperiais, ora aos Farrapos. Estes, porém, iam, aos poucos, tirando vantagem e, em pouco tempo, estavam apossados de toda a província.
A esse tempo, a Regência nomeia para governar a província José de Araújo Ribeiro, homem de espírito conciliador, que conquistou logo a simpatia até dos próprios adversários, conseguindo a adesão de vários generais, entre os quais o próprio Bento Manoel Ribeiro. Por esse meio tempo os imperiais, já então comandados por Bento Manoel Ribeiro, retomam Porto Alegre e, nessa luta, junto à ilha do Fanfa, derrotam as tropas farroupilhas. Bento Gonçalves, vendo a impossibilidade de resistir, para evitar mais sacrifícios, preferiu render-se. Os vencidos, em grande número, no ato da entrega das armas, preferem, alguns, parti-las, num gesto de desespero e altivez e atirá-las, em pedaços, ao solo; outros, jogaram-nas, no mesmo gesto, ao rio. Tais gestos revelaram independência, orgulho, altivez, heroísmo e rebeldia, sentimentos estes que, transformados em um potencial de energias inesgotáveis, mantiveram a luta por dez anos, sem igual na nossa história.
As tropas imperiais obtiveram a capitulação farroupilha sob promessa de garantia à liberdade de cada um, chefes e soldados. O Governo, entretanto, ludibriou o general de seu próprio exército, prendendo Bento Gonçalves e outros chefes revolucionários.
Mais do que traição, foi um erro. As fileiras revoltosas, graças a essa atitude desprezível do governo, foram engrossadas por todos os gaúchos que, até aquela data, haviam se mantido indiferentes à contenda. A luta armada, que poderia ter findado naquele momento, por causa de um grande erro político, duraria mais nove anos. Os estadistas do império não tinham capacidade para compreender a grandeza da alma gaúcha. A derrota do Famfa foi uma derrota material para os farrapos e uma derrota moral e política para os imperiais. Ganhando, Bento Manuel Ribeiro perdeu; perdendo, Bento Gonçalves ganhou.
E tal foi essa verdade, que o exército farroupilha, ao comando do General Netto, obtinha a formidável vitória de Seival, poucos dias depois, e proclamava a independência do Rio Grande do Sul, que passou a constituir uma nação separada, sob governo republicano, com o nome de Piratiny (11.08.1836). Começou, então, a era de ouro para os revoltosos; suas vitórias contavam-se umas sobre as outras; dominavam, então, todo o Rio Grande. O ano de 1838, então, foi francamente favorável à nova república. Era, pois, de justiça, que encerrassem com grandes festas esse ano. E a maior delas foi a posse de Bento Gonçalves da Silva que, depois de ter sido considerado perdido, volta à pátria e assume a presidência da república que, apesar de não ter sido fundada por ele é, contudo, a forma de governo que impera em sua terra, porque as circunstâncias da guerra assim o exigiram. Não era, mas ia fazer-se republicano e dirigir a república, provando, assim, o seu grande amor ao Brasil uno, federado e forte. Esse patriotismo foi ele quem acendeu em todos os peitos. Quando Bento Gonçalves foi promovido a general, ele já o era no consenso unânime dos campeadores gaúchos – soldados ou não – dos grandes generais brasileiros que lutavam a seu lado e por todos os que o conheciam por dura experiência e pelo seu valor incomparável como guerreiro.
terça-feira, 16 de setembro de 2008
A Revolução Farroupilha - Parte IV
A nova república entra, então, numa fase construtiva. O seu maior acontecimento foi, talvez, a sua constituição. A 1 de dezembro de 1842, quando se reúne, em Alegrete, a primeira sessão da Assembléia Constituinte da República, Bento Gonçalves da Silva fala aos seus representantes:
“Senhores Representantes da Nação Rio-grandense! Depois da heróica revolução que operamos contra os opressores da nossa pátria; depois de uma luta obstinada que, por espaço de sete anos, absorveu nossos cuidados, chegou, finalmente, a época em que, sem grande risco, verifica-se a vossa reunião exigida, altamente, pelo voto público. Meu coração palpita de prazer, vendo, hoje, assentados neste venerando recinto, os representantes do povo em quem estão fundadas as mais belas esperanças do nosso país.”
Com que ardor, com que convicção política falou Bento Gonçalves! Não sabia trair os seus sentimentos e nem tampouco, com sofismas, levar para outro terreno os seus mais belos propósitos. Aliás, durante toda a campanha revolucionária, manteve, sempre, a mesma atitude digna, o mesmo gesto patriótico pela causa porque se batia.
Eis, mais ou menos, como era a constituição: A forma de governo seria adequada aos costumes, situação e circunstâncias do povo rio-grandense e que o protegesse, com toda a eficácia, a vida, a honra, a liberdade, a segurança individual, a prosperidade e a igualdade, bases essenciais dos direitos do homem. Essa forma de governo seria a república constitucional e representativa. Seria sagrado e inviolável, o direito de propriedade. Abolia os privilégios. Consagrava, em toda a sua plenitude, a liberdade de imprensa, do comércio e das profissões e, apesar de ser católica a da república, todas as outras crenças e religiões eram permitidas em seu culto doméstico e particular. À exceção do flagrante delito, ninguém podia ser preso senão por ordem escrita de autoridade legítima. Eram expressamente proibidas torturas, açoites e outras penas cruéis.
Era, como se vê, a dos farrapos, uma constituição que nada fica devendo aos mais liberais estatutos dos nossos dias e, quanto mais se estuda e avança o tempo, tanto mais, também, aumenta a nossa admiração pelos que a inspiraram e redigiram. Realmente, essa constituição marca, em nosso país, uma remodelação nos costumes políticos e sociais da época. Nela nota-se algo de novo, em espírito de conquista social, pois que, em seus princípios básicos, há um desejo enorme de transformação para a melhoria do povo. O Rio Grande, com os farrapos e com essa obra política, dá uma admirável lição de civismo e de grandeza moral às demais províncias brasileiras.
Há uma estranha animação em tudo: vende-se, compra-se, a soldadesca recebe seus primeiros soldos. A capital – Piratiny – é uma verdadeira colméia. E as forças espalhadas por toda a província, agem destemidamente. São nomeados seus primeiros coletores para organizarem seu Tesouro. Procura-se tornar a nova república conhecida.
Era uma verdadeira maravilha! Infelizmente, para desgraça do Rio Grande e dos farrapos, apesar de todas aquelas maravilhas, poucos anos de vida possuía a nova república. O governo do império volta a lançar suas mãos malignas sob aquele povo de boa vontade – e dessa vez com sorte. Embalde lutam os farrapos pelo seu ideal. São os cavalarianos, de pala, bombacha, botas, lenço ao pescoço, empunhando numa mão a espada e, na outra, a lança; são os rebeldes, os republicanos que, lutando pela liberdade do Rio Grande, tudo sacrificam: vida, sossego, interesses, paz, família, trabalho. Só têm em mira, em jogo, a causa porque ser batem, porque essa causa é a sua honra, o seu ideal, a sua fé, a sua liberdade. E ainda, para pesar mais a sua infelicidade, o presidente da república, Bento Gonçalves da Silva, sentindo a oposição crescente à política que queria exercer, abandona a sua presidência e a entrega ao vice-presidente e, também, o próprio comando em chefe do exército, que passa a David Canabarro.
Conta a história da guerra farroupilha que, nos agitados últimos anos de sua existência, a República via, atribulada, sua sede mudar-se, constantemente, de uma vila para outra. Nas suas fugas, os arquivos da nação passavam a ser transportados de carreta, de um lugar para outro, o que mereceu ser censurada em uma sátira, da qual é a seguinte quadra:
“Que é do progresso este século
Quem mais se atreve a negar?
O governo rio-grandense
Marcha em carreta, a rodar!”
Pois isto que, aos olhos dos inimigos dos republicanos era tomado como ridículo e fraqueza é, sem dúvida, a maior prova da grandeza daqueles homens. Vale como um poema imortal. É uma página soberba de Homero vivida no Rio Grande pelos farrapos. Essa fase quase inacreditável da República de Piratiny, que ora surgia aqui, ora ali, que mal tinha tempo de fixar-se em determinado lugar os imprevistos da guerra obrigavam seus autores a mudar a sede do governo, de carreta, com seus arquivos, toda a sua papelada, inclusive a tipografia para a impressão do jornal oficial, éditos, proclamações, etc., só deve causar admiração e assombro. Aqueles homens que viviam assim, andejos, por todos os quadrantes da campanha, que traziam a sua república no toldo de uma carreta, foram homens que Deus forjou para a glória de um povo e exemplo imortal de uma raça.
“Senhores Representantes da Nação Rio-grandense! Depois da heróica revolução que operamos contra os opressores da nossa pátria; depois de uma luta obstinada que, por espaço de sete anos, absorveu nossos cuidados, chegou, finalmente, a época em que, sem grande risco, verifica-se a vossa reunião exigida, altamente, pelo voto público. Meu coração palpita de prazer, vendo, hoje, assentados neste venerando recinto, os representantes do povo em quem estão fundadas as mais belas esperanças do nosso país.”
Com que ardor, com que convicção política falou Bento Gonçalves! Não sabia trair os seus sentimentos e nem tampouco, com sofismas, levar para outro terreno os seus mais belos propósitos. Aliás, durante toda a campanha revolucionária, manteve, sempre, a mesma atitude digna, o mesmo gesto patriótico pela causa porque se batia.
Eis, mais ou menos, como era a constituição: A forma de governo seria adequada aos costumes, situação e circunstâncias do povo rio-grandense e que o protegesse, com toda a eficácia, a vida, a honra, a liberdade, a segurança individual, a prosperidade e a igualdade, bases essenciais dos direitos do homem. Essa forma de governo seria a república constitucional e representativa. Seria sagrado e inviolável, o direito de propriedade. Abolia os privilégios. Consagrava, em toda a sua plenitude, a liberdade de imprensa, do comércio e das profissões e, apesar de ser católica a da república, todas as outras crenças e religiões eram permitidas em seu culto doméstico e particular. À exceção do flagrante delito, ninguém podia ser preso senão por ordem escrita de autoridade legítima. Eram expressamente proibidas torturas, açoites e outras penas cruéis.
Era, como se vê, a dos farrapos, uma constituição que nada fica devendo aos mais liberais estatutos dos nossos dias e, quanto mais se estuda e avança o tempo, tanto mais, também, aumenta a nossa admiração pelos que a inspiraram e redigiram. Realmente, essa constituição marca, em nosso país, uma remodelação nos costumes políticos e sociais da época. Nela nota-se algo de novo, em espírito de conquista social, pois que, em seus princípios básicos, há um desejo enorme de transformação para a melhoria do povo. O Rio Grande, com os farrapos e com essa obra política, dá uma admirável lição de civismo e de grandeza moral às demais províncias brasileiras.
Há uma estranha animação em tudo: vende-se, compra-se, a soldadesca recebe seus primeiros soldos. A capital – Piratiny – é uma verdadeira colméia. E as forças espalhadas por toda a província, agem destemidamente. São nomeados seus primeiros coletores para organizarem seu Tesouro. Procura-se tornar a nova república conhecida.
Era uma verdadeira maravilha! Infelizmente, para desgraça do Rio Grande e dos farrapos, apesar de todas aquelas maravilhas, poucos anos de vida possuía a nova república. O governo do império volta a lançar suas mãos malignas sob aquele povo de boa vontade – e dessa vez com sorte. Embalde lutam os farrapos pelo seu ideal. São os cavalarianos, de pala, bombacha, botas, lenço ao pescoço, empunhando numa mão a espada e, na outra, a lança; são os rebeldes, os republicanos que, lutando pela liberdade do Rio Grande, tudo sacrificam: vida, sossego, interesses, paz, família, trabalho. Só têm em mira, em jogo, a causa porque ser batem, porque essa causa é a sua honra, o seu ideal, a sua fé, a sua liberdade. E ainda, para pesar mais a sua infelicidade, o presidente da república, Bento Gonçalves da Silva, sentindo a oposição crescente à política que queria exercer, abandona a sua presidência e a entrega ao vice-presidente e, também, o próprio comando em chefe do exército, que passa a David Canabarro.
Conta a história da guerra farroupilha que, nos agitados últimos anos de sua existência, a República via, atribulada, sua sede mudar-se, constantemente, de uma vila para outra. Nas suas fugas, os arquivos da nação passavam a ser transportados de carreta, de um lugar para outro, o que mereceu ser censurada em uma sátira, da qual é a seguinte quadra:
“Que é do progresso este século
Quem mais se atreve a negar?
O governo rio-grandense
Marcha em carreta, a rodar!”
Pois isto que, aos olhos dos inimigos dos republicanos era tomado como ridículo e fraqueza é, sem dúvida, a maior prova da grandeza daqueles homens. Vale como um poema imortal. É uma página soberba de Homero vivida no Rio Grande pelos farrapos. Essa fase quase inacreditável da República de Piratiny, que ora surgia aqui, ora ali, que mal tinha tempo de fixar-se em determinado lugar os imprevistos da guerra obrigavam seus autores a mudar a sede do governo, de carreta, com seus arquivos, toda a sua papelada, inclusive a tipografia para a impressão do jornal oficial, éditos, proclamações, etc., só deve causar admiração e assombro. Aqueles homens que viviam assim, andejos, por todos os quadrantes da campanha, que traziam a sua república no toldo de uma carreta, foram homens que Deus forjou para a glória de um povo e exemplo imortal de uma raça.
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
A Revolução Farroupilha - Parte V
A investida de Caxias na presidência da província conflagrada e no comando das armas imperiais foi o primeiro ato acertado do governo imperial. A ação do futuro duque, em face dos acontecimentos, dividiu-se em duas fases: a primeira em que, como militar, seguiu o exemplo dos seus antecessores, combatendo os rebeldes; a segunda, como político, no sentido de pacificar os espíritos dos soldados da república rio-grandense. Foi ele o primeiro homem público do império, entre estadistas e generais, a compreender que, vencer os gaúchos pelas armas, além de quase impossível, importava na perda do Rio Grande pelo Brasil e, mais que isso, cooperar para o rompimento da unidade nacional.
Uma desvantagem na continuação da guerra seria perder o direito na navegação platina. Viu, também, Lima e Silva que, além da fronteira, três homens da mesma raça e trabalhados por idênticos sentimentos, apreciavam, gostosamente, o espetáculo de que era palco a terra pampeana. Eram três sombras negras que se apresentavam ameaçadoras sobre as coxilhas da pátria: Rosas, da Argentina; Oribe, do Uruguai e Francia, do Paraguai.
A gente despercebida da Corte na via nada disso. Procurava, sempre, reduzir a revolução farroupilha a um caso policial, de mero sufocamento pelas armas. Os antecedentes da luta, suas causas primárias, seu desenvolvimento, eram criminosamente relegados a plano secundário. Caxias, entretanto, atentou para tudo e esmerou-se no desempenho da missão que o deveria sagrar o maior fator da unidade nacional.
Aquela gente indomável, magnífica de bravura, rica de idealismo, que não conhecia o ouro, nem queria as vantagens da escravidão indígena ou negra, foi-se fazendo sensível às palavras que lhe iam do emissário do Brasil. Ninguém, do mesmo modo, lhes havia mostrado o perigo latente que pairava para lá da fronteira. Caxias fez as duas coisas: falou-lhes aos sentimentos e mostrou-lhes a ameaça. Esta gloriosa proclamação é uma prova: “Lembrai-vos de que a poucos passos de vós está o inimigo de todo nós; inimigo de raça e de tradição. Não pode tardar que nos meçamos com os soldados de Rosas e de Oribe; guardemos, para então, nossas espadas e nosso sangue. Vede como esses estrangeiros exultam com esta triste guerra com que nós mesmos nos estamos enfraquecendo e destruindo. Abracemo-nos e unamo-nos para marcharmos, não peito a peito, mas ombro a ombro, em defesa da pátria, que é nossa mãe comum”.
Rosas desmascara os seus instintos, oferecendo a David Canabarro auxílio em material e dinheiro: “Meus homens estão prontos para se unirem aos valentes do Rio Grande. A um simples aceno, eles transporão a fronteira e esmagarão os imperiais, combatendo pela vossa república. Quereis o meu auxílio? Ele decidirá o vosso futuro.”
A heróica resposta de Canabarro que, acima de qualquer coisa, colocava seus sentimentos de pátria, foi a vitória política de Caxias e a segurança da integridade da pátria: “Senhor, o primeiro soldado de vossas tropas que atravessar a fronteira fornecerá o sangue com o qual será assinada a paz de Piratiny com os imperiais. Acima de nosso amor à república, colocamos nosso brio e a integridade da pátria. Se puserdes agora os vossos soldados na fronteira, encontrareis, ombro a ombro, os soldados de Piratiny e os soldados do Sr. D.Pedro II.”
Pouco tempo depois, Caxias recebia, em seu acampamento, um emissário de David Canabarro, incumbido, pela república, da paz, tantas vezes proposta pelo representante do governo imperial. As condições propostas pelos republicanos e aceitas pelos imperiais, foram, além de outras, as seguintes:
1) O indivíduo indicado por nós para governador é aprovado pelo império e passará logo a presidir a província.
2) A nossa dívida nacional será paga pelo governo imperial.
3) Os oficiais da república que, pelo nosso comandante forem indicados, passarão a pertencer ao exército do Brasil.
4) Serão livres e, como tais, considerados, todos os escravos que serviram à revolução.
5) É garantida a segurança individual e de propriedade em toda a sua plenitude.
6) Nossos prisioneiros de guerra serão logo soltos e aqueles que estão fora da província serão reconduzidos a ela.
7) Os soldados da república ficarão isentos de recrutamento.
8) O governo imperial vai tratar, definitivamente, da linha divisória com o Estado Oriental.
Esse foi o preço com que o império indenizou os desmandos de seus estadistas e generais, a começar por Feijó. Para os gaúchos, a vitória moral e material assegurada pelo tratado não compensou o sacrifício do ideal republicano. Houve, entretanto, necessidade de sopitar os anseios políticos em benefício da integridade nacional, já então francamente ameaçada pela ambição da gente de além dos limites. De qualquer forma o gaúcho havia, pela vez primeira, feito ouvir a sua voz como político. O tratado, no dia 1 de março de 1845, em Ponche Verde, entre a república e o império não significou a renúncia, pelo gaúcho, da missão que se marcou, de republicanizar o Brasil. Não. Consistiu, somente, num adiamento dessa execução. O tempo haveria de provar essa verdade.
Uma desvantagem na continuação da guerra seria perder o direito na navegação platina. Viu, também, Lima e Silva que, além da fronteira, três homens da mesma raça e trabalhados por idênticos sentimentos, apreciavam, gostosamente, o espetáculo de que era palco a terra pampeana. Eram três sombras negras que se apresentavam ameaçadoras sobre as coxilhas da pátria: Rosas, da Argentina; Oribe, do Uruguai e Francia, do Paraguai.
A gente despercebida da Corte na via nada disso. Procurava, sempre, reduzir a revolução farroupilha a um caso policial, de mero sufocamento pelas armas. Os antecedentes da luta, suas causas primárias, seu desenvolvimento, eram criminosamente relegados a plano secundário. Caxias, entretanto, atentou para tudo e esmerou-se no desempenho da missão que o deveria sagrar o maior fator da unidade nacional.
Aquela gente indomável, magnífica de bravura, rica de idealismo, que não conhecia o ouro, nem queria as vantagens da escravidão indígena ou negra, foi-se fazendo sensível às palavras que lhe iam do emissário do Brasil. Ninguém, do mesmo modo, lhes havia mostrado o perigo latente que pairava para lá da fronteira. Caxias fez as duas coisas: falou-lhes aos sentimentos e mostrou-lhes a ameaça. Esta gloriosa proclamação é uma prova: “Lembrai-vos de que a poucos passos de vós está o inimigo de todo nós; inimigo de raça e de tradição. Não pode tardar que nos meçamos com os soldados de Rosas e de Oribe; guardemos, para então, nossas espadas e nosso sangue. Vede como esses estrangeiros exultam com esta triste guerra com que nós mesmos nos estamos enfraquecendo e destruindo. Abracemo-nos e unamo-nos para marcharmos, não peito a peito, mas ombro a ombro, em defesa da pátria, que é nossa mãe comum”.
Rosas desmascara os seus instintos, oferecendo a David Canabarro auxílio em material e dinheiro: “Meus homens estão prontos para se unirem aos valentes do Rio Grande. A um simples aceno, eles transporão a fronteira e esmagarão os imperiais, combatendo pela vossa república. Quereis o meu auxílio? Ele decidirá o vosso futuro.”
A heróica resposta de Canabarro que, acima de qualquer coisa, colocava seus sentimentos de pátria, foi a vitória política de Caxias e a segurança da integridade da pátria: “Senhor, o primeiro soldado de vossas tropas que atravessar a fronteira fornecerá o sangue com o qual será assinada a paz de Piratiny com os imperiais. Acima de nosso amor à república, colocamos nosso brio e a integridade da pátria. Se puserdes agora os vossos soldados na fronteira, encontrareis, ombro a ombro, os soldados de Piratiny e os soldados do Sr. D.Pedro II.”
Pouco tempo depois, Caxias recebia, em seu acampamento, um emissário de David Canabarro, incumbido, pela república, da paz, tantas vezes proposta pelo representante do governo imperial. As condições propostas pelos republicanos e aceitas pelos imperiais, foram, além de outras, as seguintes:
1) O indivíduo indicado por nós para governador é aprovado pelo império e passará logo a presidir a província.
2) A nossa dívida nacional será paga pelo governo imperial.
3) Os oficiais da república que, pelo nosso comandante forem indicados, passarão a pertencer ao exército do Brasil.
4) Serão livres e, como tais, considerados, todos os escravos que serviram à revolução.
5) É garantida a segurança individual e de propriedade em toda a sua plenitude.
6) Nossos prisioneiros de guerra serão logo soltos e aqueles que estão fora da província serão reconduzidos a ela.
7) Os soldados da república ficarão isentos de recrutamento.
8) O governo imperial vai tratar, definitivamente, da linha divisória com o Estado Oriental.
Esse foi o preço com que o império indenizou os desmandos de seus estadistas e generais, a começar por Feijó. Para os gaúchos, a vitória moral e material assegurada pelo tratado não compensou o sacrifício do ideal republicano. Houve, entretanto, necessidade de sopitar os anseios políticos em benefício da integridade nacional, já então francamente ameaçada pela ambição da gente de além dos limites. De qualquer forma o gaúcho havia, pela vez primeira, feito ouvir a sua voz como político. O tratado, no dia 1 de março de 1845, em Ponche Verde, entre a república e o império não significou a renúncia, pelo gaúcho, da missão que se marcou, de republicanizar o Brasil. Não. Consistiu, somente, num adiamento dessa execução. O tempo haveria de provar essa verdade.
domingo, 14 de setembro de 2008
A Revolução Farroupilha - Parte VI
Estamos em Ponche Verde. Dois exércitos estão em armas. Um deles está coberto pela bandeira auriverde do Brasil. O outro, desfralda aos ventos o pavilhão tricolor da República Rio-grandense. E lá, junto a eles, estão dois homens, dois homens na expressão mais ladina da palavra. Um deles é Luiz Alves de Lima e Silva, general e barão. Mais tarde viria a ser marechal e duque. O outro é David Canabarro. Ao nome só pode juntar um título de fidalguia: gaúcho. Esses dois homens, nesse encontro, selaram o mais importante documento assinado por corações brasileiros, em todas as épocas e em todas as circunstâncias – a unidade do Brasil.
Junto à barraca de Canabarro, todavia, no topo de um alto mastro, ainda se agitava, batida pelo vento do sul, a bandeira de Piratiny. Aquela mesma que fora testemunha de todos os grandes acontecimentos da República Riograndense. Que servira de pendão nos combates e símbolo nas solenidades. Que assistiu às sessões da Assembléia Constituinte. Nas lutas memoráveis que presenciou, cobriu-se do pó das estradas e do fumo dos canhões. Palpitou, vibrante, aos ventos do mar alto e desbotou-se ante as chuvas de inverno. Foi rasgada pelas espadas adversárias e mil vezes mutilada pelas balas inimigas. E sempre ereta, e sempre galharda. E sempre imponente e sempre majestosa se conservara, como naquele derradeiro instante de sua significação.
Canabarro, comandante em chefe do exército farroupilha, na sua última ordem dessa qualidade, ordena o arreamento do pavilhão invicto. Caxias, no seu mais fidalgo gesto, como homenagem à bravura e à lealdade dos seus antigos contendores e, agora, seus amigos e companheiros de armas, transmite a primeira ordem como comandante de todas as tropas que ali se acham: “Sentido!”
E, quando, devagar, majestosamente, solenemente, imponentemente, a bandeira tricolor vai descendo do seu alto mastro, enquanto os clarins vibravam e os tambores rufavam, Canabarro e Caxias, profundamente emocionados, apertam-se as mãos leais, num gesto simbólico da união indissolúvel entre os filhos desse Brasil imenso, imenso e lindo, lindo e maravilhoso.
F I M
Junto à barraca de Canabarro, todavia, no topo de um alto mastro, ainda se agitava, batida pelo vento do sul, a bandeira de Piratiny. Aquela mesma que fora testemunha de todos os grandes acontecimentos da República Riograndense. Que servira de pendão nos combates e símbolo nas solenidades. Que assistiu às sessões da Assembléia Constituinte. Nas lutas memoráveis que presenciou, cobriu-se do pó das estradas e do fumo dos canhões. Palpitou, vibrante, aos ventos do mar alto e desbotou-se ante as chuvas de inverno. Foi rasgada pelas espadas adversárias e mil vezes mutilada pelas balas inimigas. E sempre ereta, e sempre galharda. E sempre imponente e sempre majestosa se conservara, como naquele derradeiro instante de sua significação.
Canabarro, comandante em chefe do exército farroupilha, na sua última ordem dessa qualidade, ordena o arreamento do pavilhão invicto. Caxias, no seu mais fidalgo gesto, como homenagem à bravura e à lealdade dos seus antigos contendores e, agora, seus amigos e companheiros de armas, transmite a primeira ordem como comandante de todas as tropas que ali se acham: “Sentido!”
E, quando, devagar, majestosamente, solenemente, imponentemente, a bandeira tricolor vai descendo do seu alto mastro, enquanto os clarins vibravam e os tambores rufavam, Canabarro e Caxias, profundamente emocionados, apertam-se as mãos leais, num gesto simbólico da união indissolúvel entre os filhos desse Brasil imenso, imenso e lindo, lindo e maravilhoso.
F I M
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