Quando o texto abaixo foi escrito, no ano de 1950, o autor contava quinze anos de idade.
Com este "ensaio" sobre a Revolução Farroupilha, fruto de exaustiva pesquisa realizada na biblioteca do colégio onde cursava o 4o. ano do ginásio, participou de um concurso de oratória proposto pela escola, revelando-se grande orador.
A apresentação tocou a platéia que o assistia, empolgada. Não venceu, mas fez despertar em muitos, ali, naquele momento, o sentimento de orgulho de ser do Rio Grande...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A Revolução Farroupilha - Parte III

E o primeiro encontro entre o exército imperial e as tropas revolucionárias deu-se naquela madrugada, sorrindo a estes a vitória. O comandante do exército derrotado, Visconde de Camamú, fugiu a toda a pressa para a sede do governo na província e, assustado com o acontecimento e sem meios para resistir, capitulou, retirando-se para Rio Grande. Bento Gonçalves, O Coronel Bento Gonçalves da Silva, o heróico comandante militar, foi a primeira voz gaúcha que falou ao poder central do Brasil. Em uma carta, expressou-se, mais ou menos, nestes termos:

“Senhor. Em nome do povo do Rio Grande depus o Governador Braga e entreguei o governo ao seu substituto legal. Em nome do Rio Grande eu lhe digo que, nesta província extrema, não toleramos imposições humilhantes, nem insultos de qualquer espécie. O Pampeiro destas paragens tempera o sangue rio-grandense de modo diferente do que certa gente que por aí há. Nós, rio-grandenses, preferimos a morte no campo áspero da batalha às humilhações das salas blandiciosas do Paço do Rio de Janeiro.

“O Rio Grande é a sentinela do Brasil que olha, vigilante, para o Rio da Prata. Merece, pois, mais consideração e respeito. Exigimos que o governo imperial nos dê um governador de mais confiança, que vele pelos nossos interesses, pelo nosso progresso, pela nossa dignidade, ou nos separamos do Centro e, com a espada na mão, saberemos morrer com honra ou viver com liberdade. É preciso que V.Excia. saiba, senhor Regente, que é obra difícil, senão impossível, escravizar o Rio Grande, impondo-lhe governadores déspotas e tiranos.

“Em nome da minha terra, como brasileiro, eu lhe digo que reflita bem antes de responder, porque de sua resposta depende, talvez, o sossego do Brasil. Dela resultará a satisfação dos justos desejos de um punhado de brasileiros que defendem contra a ferocidade espanhola uma nesga da Pátria e dela resultará, também, uma luta sangrenta, a ruína de uma província, ou a formação de um novo Estado”

Mas o supremo poder, em vez de ouvir o apelo de justiça do povo rio-grandense pela voz de Bento Gonçalves, em vez de lhe dar o governo que velasse pelos seus interesses, Feijó mandou soldados para esmagar os gaúchos, armas para matá-los, generais para domar-lhes a altivez. Em lugar de atrair o Rio Grande do Sul ao Brasil, a política imperial procurava afastá-lo da comunhão nacional.

Por dez anos, nada menos, as coxilhas rio-grandenses foram encharcadas de sangue, as estâncias taladas, os rebanhos dizimados, os cofres públicos exauridos e, mais que isso, a nação enfraquecida pela perda de seus bravos, de ambos os lados. E as lutas continuaram, sem um resultado decisivo. A vitória sorria, ora aos imperiais, ora aos Farrapos. Estes, porém, iam, aos poucos, tirando vantagem e, em pouco tempo, estavam apossados de toda a província.

A esse tempo, a Regência nomeia para governar a província José de Araújo Ribeiro, homem de espírito conciliador, que conquistou logo a simpatia até dos próprios adversários, conseguindo a adesão de vários generais, entre os quais o próprio Bento Manoel Ribeiro. Por esse meio tempo os imperiais, já então comandados por Bento Manoel Ribeiro, retomam Porto Alegre e, nessa luta, junto à ilha do Fanfa, derrotam as tropas farroupilhas. Bento Gonçalves, vendo a impossibilidade de resistir, para evitar mais sacrifícios, preferiu render-se. Os vencidos, em grande número, no ato da entrega das armas, preferem, alguns, parti-las, num gesto de desespero e altivez e atirá-las, em pedaços, ao solo; outros, jogaram-nas, no mesmo gesto, ao rio. Tais gestos revelaram independência, orgulho, altivez, heroísmo e rebeldia, sentimentos estes que, transformados em um potencial de energias inesgotáveis, mantiveram a luta por dez anos, sem igual na nossa história.

As tropas imperiais obtiveram a capitulação farroupilha sob promessa de garantia à liberdade de cada um, chefes e soldados. O Governo, entretanto, ludibriou o general de seu próprio exército, prendendo Bento Gonçalves e outros chefes revolucionários.

Mais do que traição, foi um erro. As fileiras revoltosas, graças a essa atitude desprezível do governo, foram engrossadas por todos os gaúchos que, até aquela data, haviam se mantido indiferentes à contenda. A luta armada, que poderia ter findado naquele momento, por causa de um grande erro político, duraria mais nove anos. Os estadistas do império não tinham capacidade para compreender a grandeza da alma gaúcha. A derrota do Famfa foi uma derrota material para os farrapos e uma derrota moral e política para os imperiais. Ganhando, Bento Manuel Ribeiro perdeu; perdendo, Bento Gonçalves ganhou.

E tal foi essa verdade, que o exército farroupilha, ao comando do General Netto, obtinha a formidável vitória de Seival, poucos dias depois, e proclamava a independência do Rio Grande do Sul, que passou a constituir uma nação separada, sob governo republicano, com o nome de Piratiny (11.08.1836). Começou, então, a era de ouro para os revoltosos; suas vitórias contavam-se umas sobre as outras; dominavam, então, todo o Rio Grande. O ano de 1838, então, foi francamente favorável à nova república. Era, pois, de justiça, que encerrassem com grandes festas esse ano. E a maior delas foi a posse de Bento Gonçalves da Silva que, depois de ter sido considerado perdido, volta à pátria e assume a presidência da república que, apesar de não ter sido fundada por ele é, contudo, a forma de governo que impera em sua terra, porque as circunstâncias da guerra assim o exigiram. Não era, mas ia fazer-se republicano e dirigir a república, provando, assim, o seu grande amor ao Brasil uno, federado e forte. Esse patriotismo foi ele quem acendeu em todos os peitos. Quando Bento Gonçalves foi promovido a general, ele já o era no consenso unânime dos campeadores gaúchos – soldados ou não – dos grandes generais brasileiros que lutavam a seu lado e por todos os que o conheciam por dura experiência e pelo seu valor incomparável como guerreiro.

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