Quando o texto abaixo foi escrito, no ano de 1950, o autor contava quinze anos de idade.
Com este "ensaio" sobre a Revolução Farroupilha, fruto de exaustiva pesquisa realizada na biblioteca do colégio onde cursava o 4o. ano do ginásio, participou de um concurso de oratória proposto pela escola, revelando-se grande orador.
A apresentação tocou a platéia que o assistia, empolgada. Não venceu, mas fez despertar em muitos, ali, naquele momento, o sentimento de orgulho de ser do Rio Grande...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A Revolução Farroupilha - Parte IV

A nova república entra, então, numa fase construtiva. O seu maior acontecimento foi, talvez, a sua constituição. A 1 de dezembro de 1842, quando se reúne, em Alegrete, a primeira sessão da Assembléia Constituinte da República, Bento Gonçalves da Silva fala aos seus representantes:

“Senhores Representantes da Nação Rio-grandense! Depois da heróica revolução que operamos contra os opressores da nossa pátria; depois de uma luta obstinada que, por espaço de sete anos, absorveu nossos cuidados, chegou, finalmente, a época em que, sem grande risco, verifica-se a vossa reunião exigida, altamente, pelo voto público. Meu coração palpita de prazer, vendo, hoje, assentados neste venerando recinto, os representantes do povo em quem estão fundadas as mais belas esperanças do nosso país.”

Com que ardor, com que convicção política falou Bento Gonçalves! Não sabia trair os seus sentimentos e nem tampouco, com sofismas, levar para outro terreno os seus mais belos propósitos. Aliás, durante toda a campanha revolucionária, manteve, sempre, a mesma atitude digna, o mesmo gesto patriótico pela causa porque se batia.

Eis, mais ou menos, como era a constituição: A forma de governo seria adequada aos costumes, situação e circunstâncias do povo rio-grandense e que o protegesse, com toda a eficácia, a vida, a honra, a liberdade, a segurança individual, a prosperidade e a igualdade, bases essenciais dos direitos do homem. Essa forma de governo seria a república constitucional e representativa. Seria sagrado e inviolável, o direito de propriedade. Abolia os privilégios. Consagrava, em toda a sua plenitude, a liberdade de imprensa, do comércio e das profissões e, apesar de ser católica a da república, todas as outras crenças e religiões eram permitidas em seu culto doméstico e particular. À exceção do flagrante delito, ninguém podia ser preso senão por ordem escrita de autoridade legítima. Eram expressamente proibidas torturas, açoites e outras penas cruéis.

Era, como se vê, a dos farrapos, uma constituição que nada fica devendo aos mais liberais estatutos dos nossos dias e, quanto mais se estuda e avança o tempo, tanto mais, também, aumenta a nossa admiração pelos que a inspiraram e redigiram. Realmente, essa constituição marca, em nosso país, uma remodelação nos costumes políticos e sociais da época. Nela nota-se algo de novo, em espírito de conquista social, pois que, em seus princípios básicos, há um desejo enorme de transformação para a melhoria do povo. O Rio Grande, com os farrapos e com essa obra política, dá uma admirável lição de civismo e de grandeza moral às demais províncias brasileiras.

Há uma estranha animação em tudo: vende-se, compra-se, a soldadesca recebe seus primeiros soldos. A capital – Piratiny – é uma verdadeira colméia. E as forças espalhadas por toda a província, agem destemidamente. São nomeados seus primeiros coletores para organizarem seu Tesouro. Procura-se tornar a nova república conhecida.

Era uma verdadeira maravilha! Infelizmente, para desgraça do Rio Grande e dos farrapos, apesar de todas aquelas maravilhas, poucos anos de vida possuía a nova república. O governo do império volta a lançar suas mãos malignas sob aquele povo de boa vontade – e dessa vez com sorte. Embalde lutam os farrapos pelo seu ideal. São os cavalarianos, de pala, bombacha, botas, lenço ao pescoço, empunhando numa mão a espada e, na outra, a lança; são os rebeldes, os republicanos que, lutando pela liberdade do Rio Grande, tudo sacrificam: vida, sossego, interesses, paz, família, trabalho. Só têm em mira, em jogo, a causa porque ser batem, porque essa causa é a sua honra, o seu ideal, a sua fé, a sua liberdade. E ainda, para pesar mais a sua infelicidade, o presidente da república, Bento Gonçalves da Silva, sentindo a oposição crescente à política que queria exercer, abandona a sua presidência e a entrega ao vice-presidente e, também, o próprio comando em chefe do exército, que passa a David Canabarro.

Conta a história da guerra farroupilha que, nos agitados últimos anos de sua existência, a República via, atribulada, sua sede mudar-se, constantemente, de uma vila para outra. Nas suas fugas, os arquivos da nação passavam a ser transportados de carreta, de um lugar para outro, o que mereceu ser censurada em uma sátira, da qual é a seguinte quadra:

“Que é do progresso este século
Quem mais se atreve a negar?
O governo rio-grandense
Marcha em carreta, a rodar!”

Pois isto que, aos olhos dos inimigos dos republicanos era tomado como ridículo e fraqueza é, sem dúvida, a maior prova da grandeza daqueles homens. Vale como um poema imortal. É uma página soberba de Homero vivida no Rio Grande pelos farrapos. Essa fase quase inacreditável da República de Piratiny, que ora surgia aqui, ora ali, que mal tinha tempo de fixar-se em determinado lugar os imprevistos da guerra obrigavam seus autores a mudar a sede do governo, de carreta, com seus arquivos, toda a sua papelada, inclusive a tipografia para a impressão do jornal oficial, éditos, proclamações, etc., só deve causar admiração e assombro. Aqueles homens que viviam assim, andejos, por todos os quadrantes da campanha, que traziam a sua república no toldo de uma carreta, foram homens que Deus forjou para a glória de um povo e exemplo imortal de uma raça.

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