Quando o texto abaixo foi escrito, no ano de 1950, o autor contava quinze anos de idade.
Com este "ensaio" sobre a Revolução Farroupilha, fruto de exaustiva pesquisa realizada na biblioteca do colégio onde cursava o 4o. ano do ginásio, participou de um concurso de oratória proposto pela escola, revelando-se grande orador.
A apresentação tocou a platéia que o assistia, empolgada. Não venceu, mas fez despertar em muitos, ali, naquele momento, o sentimento de orgulho de ser do Rio Grande...

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A Revolução Farroupilha - Parte II

Até a primeira metade do século passado, era São Pedro do Rio Grande do Sul uma das menos importantes províncias brasileiras. Era como que uma região perdida no seio da nacionalidade, distante, como estava, do centro do Brasil. Seu povo, este, era uma população de eternos descontentes, e com razão. Era um povo que vivia quase na miséria, oprimido, como era, pelo déspota poder central do Brasil. E aquela longínqua província brasileira só era lembrada para pagar impostos e para por seus filhos em prontidão para marchar para os campos de batalha. De resto, eram eles espezinhados pelos governos que os tratavam como verdadeiros animais. Se mau e ineficaz era o governo que administrava o país até a maioridade do jovem Pedro II, muito mais careciam os governadores e as autoridades provinciais de capacidade para dirigir um povo e compreender suas necessidades e aspirações.

O papel do gaúcho, até l835, foi, primeiramente, o de auxiliar do colonizador na sua política expansiva rumo ao sul. Depois, o de guarda da fronteira meridional e agente da política exterior nos estados do Prata, visando assegurar a navegação brasileira nos grandes rios platinos. A independência da província argentina e a revolta de Artigas foram ter ao antigo continente de São Pedro, atenuadas ou agravadas, conforme as circunstâncias do momento.

De um lado, estava o gaúcho, preso à sua fidelidade, jamais desmentida, ao Brasil. De outro, era constantemente trabalhado por fatores importantes, oriundos do meio ambiente próximo, inclusive o da igualdade de idéias políticas: república e liberdade. Por outro lado, os dirigentes do Brasil, naquele tempo, não possuíam visão suficiente para compreender a situação da mais jovem e aguerrida das províncias, aquela à qual estava confiada a missão altíssima de resguardar a integridade da pátria. Ao invés de auscultarem-lhes os anseios, para atendê-los, procuravam esmagar-lhes os estos, como se consistissem em impertinências.

O Rio Grande do Sul não pudera, ainda, formar uma geração em condições de traduzir com eloqüência seus reclamos e formular seus anseios. Não sabia falar, só sabia agir. Como não tomara parte ativa no movimento que despedira o colonizador e nem nas agitações para a constitucionalização do país, dava a impressão de que não existia. Ninguém levava em apreço a situação especialíssima do gaúcho no desempenho da missão gloriosa, mas pesadíssima de sentinela avançada da pátria, opondo-se a qualquer investida castelhana.

Como já disse, várias e complexas foram as causas que induziram os gaúchos à revolta contra o poder central, então nas mãos já frouxas do regente Feijó: causas políticas e causas econômicas. Entre as causas políticas há a ressaltar a grande influência que possuía o elemento português, investido em todos os cargos públicos, em vez dos próprios filhos da terra, além do esforço que aqueles vinham fazendo no sentido de promover a recolonização do Brasil por Portugal, para recolocá-lo na antiga situação de mísera colônia. Há ainda a ressaltar o desastre militar no Passo do Rosário, em 1827, em terras gaúchas, devido, em grande parte, à inexperiência do comandante em chefe do exército brasileiro. Foi o mais duro golpe infligido ao brio dos gaúchos, habituados a vencer sempre, desde os alvores da própria nacionalidade.

Em contrapeso à situação política que tanto exacerbava os ânimos, o governo do Rio de Janeiro procurava agravar, cada vez mais, a atribulação que pesava sobre a economia rio-grandense do sul. O governo central não só restabelecia a pontualidade no pagamento da tropa e seus fornecedores com as economias do Rio Grande como, também, extorquia-lhe todo o dinheiro necessário para atender às despesas militares em diferentes oportunidades. Horroroso é de citar o terrível despotismo militar que, naquele tempo, pesava sobre o povo rio-grandense.

Outra razão que instigava o gaúcho à luta, que punha lenha à fogueira da revolução, era a intriga que se fazia na Corte de que os liberais mantinham relações secretas com os chefes revolucionários do estado vizinho e, principalmente, com o General Lavalleja. Como se isso não bastasse, a intriga tomava maior vulto com as afirmações caluniosas de que os liberais tinham a intenção de separar o Rio Grande da comunhão brasileira e anexá-lo ao Estado Oriental. E apontavam, então, os intrigantes, para malquistar o Rio Grande do Sul com o resto do país, que o comandante da fronteira do Jaguarão, Bento Gonçalves da Silva, era o iniciador dessas negociações. Com essas afirmações falsas, com essas infâmias sem nome, procurava-se na Corte a má vontade do governo para com o Rio Grande e, ao mesmo tempo, indispor Bento Gonçalves com a Regência e fazer cessar, na terra sulina, a imensa popularidade do bravo militar, que era um dos seus grandes ídolos.
.
O Rio Grande fora contagiado pelas idéias liberais dos vizinhos estrangeiros, emocionara-se com a revolução pernambucana de 1817, com a tentativa frustrada da Confederação do Equador, em 1824, e com os demais movimentos do norte do país. Dessa maneira, de há muito tempo, ia-se formando aquele sentimento revolucionário e, ao mesmo tempo, profundamente republicano.

Em Porto Alegre, capital da província, e nos principais núcleos de população, o ambiente tornara-se irrespirável, agitado, como estava, pelas lutas partidárias entre “Caramurus” e “Farroupilhas”.

Aqueles, portugueses e seus adeptos, no exercício de quase todos os cargos públicos de relevo, apraziam-se de perseguir estes, os quais, exacerbados pelas perseguições, não davam trégua àqueles. Os “Caramurus”, de mentalidade peninsular, sonhavam com a volta de D.Pedro I e a reincorporação do Brasil a Portugal. Os “Farrapos” encarnavam o espírito nacional, forte demais para se deixar vencer, ou abater sequer.

Era a primeira vez que, no Rio Grande do Sul, defrontavam-se as duas mentalidades: a mentalidade estreita, acanhada, mesquinha, trazida da Europa e aqui conservada à sombra da coroa imperial. A outra, mentalidade sadia, moça e robusta, formada ao grande ar das planícies sulinas e higienificadas pelo Minuano vivificador e nos reencontros homéricos com o inimigo da raça e da pátria. Os daquela mentalidade – os caramurus – não podiam compreender a liberdade, a democracia, a igualdade dos direitos entre os homens. Haviam sido formados na obediência passiva a todos os que tivessem foro de nobreza, privilégios, regalias, postos de comando, riqueza material. Estava-lhes no sangue e na consciência a submissão ao rei e seus satélites, a Deus e seus ministros, ao patrão e seus feitores e capatazes. Afora o ganho fácil que lhes proporcionasse o bom viver, de nada mais curavam.

Os farroupilhas, os de mentalidade diversa, eram os gaúchos, os peleadores intemerosos, os continentistas altivos à insolência. Haviam nascido na terra maravilhosa do Rio Grande do Sul e se formado com as armas na mão. Tinham ouvido o grito de liberdade de Simon Bolívar, solto nos Andes e repetido no pampa argentino por San Martin e nas coxilhas uruguaias por Artigas. Sabiam da história dos que, no Brasil, desde há muito, haviam pugnado pela liberdade. Os nomes dos chefes “emboabas” e “mascates”, de Felipe dos Santos, de Tiradentes e seus companheiros, do Miguelino e Frei Caneca – todos lhes eram familiares. Não queriam restrição alguma à sua liberdade de agir e nem admitiam subordinação à entidade humana.
.
Foi, principalmente, o choque entre essas duas mentalidades que provocou o rompimento.

Ora, tal estado de coisas tinha que, forçosamente, influir no espírito do povo e gerar um profundo desgosto e uma inevitável revolta contra os responsáveis pela sua penosa situação de infelizes escravos. A revolta, senhores, não foi obra do momento, do acaso. Ela foi longamente pensada, desde quando o povo rio-grandense percebeu que estava sendo ludibriado, humilhado, por intermédio de todos os maus governos.

Desse modo, muito antes de se iniciar a revolução, os periódicos liberais pregavam, sem rebouças, as vantagens do sistema republicano e incentivavam os rio-grandenses a adotá-lo, salientando-se, nesse tentame, o famoso jornal “O Continentista” que, em artigo memorável, publicado antes da revolução, repetia a declaração do povo da Virgínia, insurgindo-se, em 1776, contra o governo inglês: “Cada vez que um governo for conhecido com o incapaz de preencher os grandes fins para que o povo o investiu no poder, ou que lhe seja contrário, a maioria da nação tem o direito indubitável, inalienável e inalterável de aboli-lo, substituí-lo e reformá-lo da maneira que julgar mais conveniente para o bem público.”

O gaúcho rio-grandense do sul ia, pela vez primeira, falar ao Brasil em matéria política. Até aquela data, conservara-se no desempenho da missão nacional de sentinela da pátria. Não era justo que dele só exigissem sacrifícios; se não lhe davam, ele se evocava o direito de se fazer ouvir. Se não o queriam considerar devidamente, por ato espontâneo, ele se imporia, à força, ao respeito do Centro.

E foi na madrugada de 20 de setembro de l835 que o povo rio-grandense tomou a iniciativa inabalável de se revoltar contra os seus opressores, os quais encarnavam na figura desprezível do então governador da província, o déspota tirano e cruel Dr. Fernandes Braga. Enquanto os trabalhos preparativos da revolução se processavam em Porto Alegre com todo o vigor, Bento Gonçalves excursionava pelo interior da província, em propaganda do movimento insurreto.

Nenhum comentário: